sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Cotas para negros e indígenas nas universidades - mudanca de opinião



Eu estou vindo aqui para dizer que mudei totalmente de ideia a respeito das cotas raciais nas universidades.

Aliás, não só nas universidades... na máquina publica, na publicidade, nos desfiles de moda, nos empregos em geral.

Explico: até alguns anos atras, eu achava que cota racial era um racismo que, embora nao me afetasse diretamente (eu sendo branca classe média), afetaria os brancos (ou menos negros) de classes mais baixas.
Eu achava que a gente tinha que superar essa história de raça, afinal, somos todos humanos.
Eu achava que cota social faria o milagre de trazer os negros para o ensino universitário público, pois eles são a maioria dos pobres, anyways.
Eu achava que os negros que fossem admitidos dessa forma sofreriam discriminação dentro da sala de aula.
Eu achava que era um modelo americano importado que so mostrava o quão vassalos nos somos dos EUA.

Inclusive publiquei um texto aqui neste blog a este respeito.


E por isso, mesmo que ninguém nunca leia, eu vim aqui dizer que eu sou a favor das cotas raciais para negros e indígenas.

E o que me fez mudar de ideia?
Foi uma mudança de ponto de vista que foi trabalhada por mim, durante anos, após um pequeno incidente.

Eu era produtora de um pequeno talk show de televisão. Um dia fomos a uma produtora onde um cineasta-ativista negro daria sua entrevista. Entre a entrevista e a nossa saída comecei a conversar com um dos caras que trabalhavam por lá e, por algum motivo, o assunto foi parar nas famigeradas cotas universitárias. E lá fui eu, toda trabalhada nos meus privilégios, dizer que era contra cotas pelos motivos acima. O rapaz era boa gente e teve paciência... até que não teve mais e foi ríspido. Me disse que eu estava sendo racista.

EU?! RACISTA?!

Entramos na van para ir para a próxima locação.

Eu fui logo falando para a equipe de som e câmera o quanto aquele cara tinha sido injusto comigo e me chamado de racista só porque eu tinha dado uma opinião contrária às cotas. Afinal, qual o problema de eu discordar? Só porque eu sou branca?!

No momento em que eu disse algo nessas linhas reparei que a única branca na van era eu.

Eles me olharam em silêncio e não responderam nada.
Eu era chefe.
Eles iam falar o quê?!

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CORTA PARA

Eu andando nas ruas com furia e desconforto.
Fui chamada de racista.
Logo eu! que queria ter cabelo negro pra fazer penteados incríveis!
Logo eu! que amo Oxossi!
Logo eu! que sou contra todo e qualquer preconceito!
Logo eu!
Não! Eu não sou racista!

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CORTA PARA

Eu sai com um amigo recém feito.
Nos entendemos muito bem e eu precisava dizer em voz alta pra alguém.
Então eu disse:
- Eu acho que sou racista...

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CORTA PARA

A minha descoberta do feminismo.
A minha descoberta do ativismo gay.
A minha descoberta de blogs de feministas negras.

E eu comecei a olhar pra dentro e ver em mim...
Um monte de preconceitos que eu não tinha ideia de ter...
ou que eu nunca tinha olhado de verdade e visto o quão eles eram feios.

Eu! Logo eu!
Machista, homofóbica, transfóbica, gordofóbica, classista... e racista.
Como tudo aquilo podia estar dentro de mim?
Puxa, eu sempre fui tão legal... ninguém diria que tinha tanto lixo no meu coração.

E vou dizer que passei quase dois anos de puro ódio de mim.
Eu chorei todos os dias.



FADE OUT

FADE IN

Aceitei.

Sim, tenho isso tudo dentro de mim.
Não sou diferente da sociedade na qual cresci.
Entendi que o fato de eu ser branca, classe média e ter crescido heterosexual, moldou muito quem eu sou e o modo como percebo o mundo.
Não tenho como escapar. Essa sou eu.
Mas eu posso mudar. Eu posso agir. Eu posso me transformar.

E nesse momento eu estou em transformação.
Consigo entender que tudo o que vejo vem dessa perspectiva privilegiada minha.
Mas o fato de ser mulher, de ser queer, de ser latina (agora vivo no Canadá) e de abrir meus olhos para os preconceitos que EU sofro, para as limitações de ser quem eu sou, está abrindo meus olhos para os preconceitos que outros sofrem. E passei a sofrer com eles.

O nome disso é empatia.

E quando alguém me diz: você esta sendo preconceituosa! por mais que eu discorde eu paro pra ouvir. Eu pergunto: por quê? Eu quero saber. Eu posso não mudar de opinião na hora, mas vou pensar sobre o assunto. Mesmo que demore anos, eu vou pensar. Eu tenho pensado.

VOCÊ QUER O QUE? UMA MEDALHA?

(acho essa pergunta pra lá de válida) (acho que muita gente quer uma medalha)

Não. Eu quero ser uma pessoa melhor.
E quero ajudar a outros que são pessoas boas, mas ainda estão vivendo dentro da própria na bolha.
Por isso eu encho o saco de geral.
E, dizem alguns por aí, tenho mudado umas cabeças.
E tenho brigado muito, que faz parte.

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E AS COTAS?

Então, mesmo depois dessa transformação toda eu ainda não era a favor das cotas.
Mas eu achava que havia algo de errado em ser contra as cotas. Eu achava que eu estava errada, mas não conseguia entender como, até que um dia meu pensamento simplesmente mudou.

E eu devo isso a milhares de blogueirxs por aih que vivem questionando os privilégios alheios e os próprios.

Textos como o do (maldito) Alex Castro e, mais recentemente, esse texto feminista muito interessante da Sueli Carneiro, me fizeram ter uma ideia mais clara sobre meus posicionamentos. Se algum dia alguém que, como eu, esta querendo mudar de opinião, recomendo ler muitos blogs. Especialmente a galera do Blogeiras Negras. Ajuda muito.

Simplificando o que penso hoje, e para dar uma conclusão em mais um texto longuíssimo:

- Eu fiz faculdade publica porque estudei numa escola privada. Eu estudei nessa escola porque meus pais pagaram. Meu pai tinha dinheiro porque ele eh engenheiro. Ele eh engenheiro porque a mãe e o pai, apesar das dificuldades, tinham cargos públicos e ele pode estudar, eles tinham esses cargos públicos porque tiveram também a possibilidade de estudar. Se você seguir minha árvore genealógica irá chegar em algum momento em que minha família tinha escravos. Minha família eh branca. Minha familia nunca perdeu nenhuma oportunidade por causa da cor da pele. ninguém na minha familia teve que fugir por sua liberdade. ninguém teve os filhos vendidos. ninguém foi coisa. ninguém trocou a escravidão pela miséria. ninguém foi impedido de estudar por causa da cor da pele.



- os negros foram impedidos de estudar durante quase todo o curso da nossa História

- Como consequência, estavam excluídos da possibilidade de votar, pois apenas os homens livres, e depois os homens alfabetizados (apenas em 1932 tivemos o voto feminino), podiam fazê-lo

- pessoas negras não têm muitas figuras de poder para se espelhar. A grande maioria dos politicos, líderes, CEOs, advogados, médicos, atores, eh branca

- Negro na TV eh empregada doméstica, ladrão, pedinte, cozinheiro, puta

- Crianças negras descobrem logo que são negras, enquanto crianças brancas são "normais" (parte da norma) e, quando muito, "não vêem cor"

E tudo isso e muito mais, amiguinhos e amiguinhas, influencia a possibilidade dessas pessoas de "cor diferenciada" entrarem na universidade, se formarem, deslancharem na vida. Isso se sobreviveram a um mundo que as considera perigosos inimigos a serem contidos, podados, vigiados, ridicularizados, eliminados.

Outro dia mesmo, um professor de História, negro, teve que dar uma aula sobre Revolução Francesa a fim de provar para policiais que não era bandido e, assim, escapar de um linchamento público porque... ele tinha cara suspeita. Cara, cor, cabelo, nariz. You name it. O cara era preto. Bastava isso pra ser linchado.

Então, não, uma criança negra, um adolescente negro, um adulto negro, um negro de qualquer idade, enfim, não tem as mesmas oportunidades que eu tenho. Mesmo que ele seja de classe média. Porque essa pessoa vai ser sempre preto. O preto. Aquele preto. O moreninho. O moleque. O do cabelo ruim. O de nariz de batata. Aquele ali, olha, com cara de marginal.

E os indígenas.... Ah, os indígenas... eles foram usados, escravizados, mortos, exterminados, mutilados, proibidos de falar a própria língua, perderam a maior parte de suas terras e de sua cultura e hoje a gente chama eles de vagabundos, tanto no Brasil quanto no Canadá.




CONCLUSÃO RESUMIDA

Sou a favor das cotas pois vejo nelas um movimento no presente para compensar, mesmo que de leve, um dano feito no passado e para criar a possibilidade de um futuro em que não precisemos mais delas.