segunda-feira, 4 de outubro de 2010

A Terra da Lua Partida

De alguns anos para cá é cada vez mais comum vermos filmes sobre poluição, lixo, aquecimento global e o fim do mundo. Tanto documentários quanto grandes produções de Hollywoody nos alertam para o futuro ao qual nossas ações inconsequentes estão nos levando. São muitos os filmes, muitos os alertas, mas parece que estamos sempre vendo mais do mesmo e, aos poucos, esses alertas começam a perder o impacto. No nosso mundo imediatista, parecem previsões de um futuro que nunca chega, que não existe.

André Rangel e Marcos Negrão realizaram um filme impactante e de rara delicadeza sobre um grupo muito pequeno de pessoas que vive, já no presente e no seu dia a dia, os dilemas do aquecimento global, de que tanto se fala.

No coração do Himaláia, o chefe de uma das últimas tribos nômades da região e seu filho vivem em conflito. O pai quer preservar a tradição, a cultura e a tribo a qualquer custo enquanto seu filho e família querem deixar tudo para trás e se mudar para a cidade.

Ao longo do filme entendemos melhor as razões de um e do outro, o funcionamento daquela tribo, como ela é tocada pela tradição religiosa e como as novas tecnologias estão presentes no seu dia a dia. Enquanto acompanhamos o desenrolar da história, podemos perceber um Himalaia muito diferente daquele que vemos na televisão: um deserto frio e seco em constante e rápida transformação.

Com a belíssima fotografia de Negrão e a edição quase ficcional de Rangel,
A Terra da Lua Partida nos joga no centro da Terra, num lugar frio e distante, para nos levar a uma viagem ao âmago de nós mesmos, da natureza humana e do futuro que estamos construindo.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Cabelo demais

Temporariamente no Rio de Janeiro, estou habitando casas de amigos. No momento vivo com 21, amigo das antigas e com quem já morei no passado.

A nossa convivência tem sido ótima, a casa é incrível, o quarto, confortável, e a cozinha perfeita para quem gosta de cozinhar. O único problema do apartamento é FDI, a Faxineira Dos Infernos.

FDI é ótima faxineira. Perfeccionista, eficiente e pontual. Por isso, duas vezes por mês, limpa a casa de 21 e é também faxineira de seus pais.
Porém FDI é crente. Enquanto eu, meus amigos, além de dormir com uma menina e acordar tarde, eu, eu tenho muito cabelo. Grandes desvios descritos na Bíblia de FDI.

Antes de mim e D.Mari nos mudarmos pro apartamento, 21 nos alertou sobre a faxineira. Disse para termos paciência. No dia anterior da primeira visita dela à casa, eu havia deixado louça na pia e um recado ao amigo avisando que só não lavara porque sabia da faxina no dia seguinte.

21 queimou o recado.

Depois de uma madrugada de trabalho, acordamos às 14 horas. FDI nos avalia dos pés a cabeça. D.Mari dá bom dia.
FDI responde: Boa tarde.
Dá as costas e vai embora.

Depois de outra virada de noite acordo com FDI falando no telefone aos berros, no meio do corredor. Peço por favor para falar baixo. Mas já eram 10h da manhã (imaginem vocês) de sábado e não sei se ela achou que eu tinha direito a silêncio.
Baixou o tom de voz. Mas não limpou meu quarto, quando saí.

Este sábado foi novamente dia de faxina. Desta vez acordamos cedo. Mari levantou antes e, às 10h da manhã, já estava pronta para sair. FDI perguntou: Você está indo trabalhar? Mari respondeu que sim. FDI, em um tom completamente diferente, disse, pela primeira vez: "Então tenha um ótimo dia." acrescentando: "E vá com Deus."

Eu, como a grande vagabunda, lésbica e aproveitadora de amigos que sou, levantei meio dia. 21 também havia acabado de acordar (FDI disse à D.Mari - às 9:30h – que era bom que ele levantasse logo porque ela não ia ficar lá esperando pra limpar o quartinho dele). Fiz um café pra nós e batemos um papo rápido sobre a minha saída do apartamento para a casa da próxima amiga. FDI acompanhou a conversa com um sorriso enorme no rosto.

FDI esperou 21 se ausentar por um minuto para ter uma conversa séria comigo:

- Você tem muito cabelo, não é?

- Tenho sim.

- É realmente MUITO cabelo.

- Eu sei.

- E ele cai muito, não é?

- Cai sim.

- Pela casa inteira.

- Pois é. Eu sempre varro, mas sempre tem.

- Sempre. Na casa inteira. INTEIRINHA.

- Eu sei. A gente perde muito cabelo.

- Não. Você perde. A outra tem cabelo curto (a outra acorda cedo para trabalhar LOGO não perde cabelo).

- É verdade. Me ter em uma casa é a mesma coisa que ter um cachorro peludo (risos interiores).

- É verdade. É a MESMA coisa.

(…)

Silêncio.
O que responder a isso?
Decidi terminar o diálogo.


- A senhora me desculpa?

- Tá bom.

quarta-feira, 24 de março de 2010

O maravilhoso mundo das máquinas

Este texto foi resgatado de um blog antigo meu.
Achei-o por acaso e senti necessidade de dividi-lo com algum leitor que apareça por essas bandas.

Aí vai:

O maravilhoso mundo das máquinas

FAQ, ou Frequently Asked Questions (Perguntas Mais Freqüentes) é o jeito mais odioso de se dizer para alguém: olha só, não vou perder meu tempo com você. Certamente o que você quer saber está em uma das opções abaixo. Se não estiver, é porque você não sabe qual é a sua pergunta. É mais ou menos a mesma coisa que aquelas operadoras eletrônicas de telemarkiting. “Boa tarde. Você ligou para o serviço de atendimento ao cliente. Se deseja dar uma sugestão, aperte 1. Se deseja fazer uma reclamação, aperte 2. Se deseja trocar um produto, aperte 5. Se deseja obter a segunda via de pagamento, digite 9.”

A primeira coisa que não dá para entender é a lógica por trás dos números que ela diz. Por que “1”, “2” e depois “5” e “9”? Mas tudo bem. Não vamos questionar isso. Normalmente se você não quer nenhuma dessas opções, como por exemplo, se deseja tirar uma dúvida (o que deveria ser algo perfeitamente normal num SAC – Serviço de atendimento ao cliente), foda-se! (Aliás nada para dificultar mais a vida do cliente que um SAC). Então a única coisa a fazer é pressionar um daqueles números e ver se consegue falar com o atendente. Pois bem. Aperte “1”, por exemplo.

Robô: Aguarde um momento.

Entra uma músiquinha chata com uma daquelas gravações em que uma paulista explica todos os maravilhosos serviços que a empresa presta a você, cliente. Depois de um pouco a musiquinha pára. Você fica na expectativa. Ok, alguém vai atender do outro lado e vc vai poder perguntar para aquela pessoa porque o produto que você comprou não chegou ainda na sua casa. Então aparece novamente a gravação.

Robô: Por favor, grave sua mensagem depois do bip... Pííííí!

Que merda! Gravação. Você não fala nada e a ligação cai. Você liga de novo e, selecionando a tecla “2” o problema é o mesmo. Ok, vc pensa, vamos tentar a opção 5.

Meu caro amigo, se você já passou por isso suficientes vezes sabe que ele não irão te atender nunca. A não ser que, claro, você não tenha pago algo que eles esperem que pague. Porque aí é interesse deles atender bem a você, cliente especial, que entrou em contato com o maravilhoso SAC deles. Então, se você é esperto, no sentido brasileiro de ser esperto, você não pensa duas vezes. Ligou para o SAC e atendeu uma gravação, digite o número de cobrança que eles vão te atender. É certo.

Claro, não sem antes torturar você com aquela maldita musiquinha.
Afinal, se você fosse um cliente amigo mesmo, daqueles que valeà pena agradar, daqueles que a gente gosta mesmo de atender e até serve um cafezinho recém-passado, se você é um desses clientes, você não estaria incomodando a galera que tão esforçadamente trabalha no SAC. Você teria guardado bonitinho sua guia até o dia de pagar e teria pago as suas contas direitinho, no dia certo, não é mesmo? Mas você não é tão bom cliente assim. Perdeu a conta. Deixou de pagar. Quer renegociar... ah... vai ficar um tempo esperando aí, com a orelha quente no telefone.

Bom, eles bem que gostariam de dizer isso pra você, mas não podem. Então eles avisam que você terá que aguardar um momento, pois todos os atendentes estão ocupados. E lá vem a maldita musiquinha e aquela voz paulista irritante dizendo coisas maravilhosas...

PAULISTA: Aguarde um momento, sua ligação já será transferida... Boa tarde! Nós temos o imenso prazer de atendê-lo. Obrigada por escolher a empresa Tal. A empresa Tal se preocupa com seus clientes. Só a empresa Tal oferece o exclusivo o plano de serviços tal, com que o cliente pode contar 24 horas por dia. Nós temos toda uma equipe treinada para te atender melhor. Se você ainda não é cliente Tal, será um imenso prazer recebê-lo em uma de nossas lojas para conversar sobre o plano Tal. Se você já é cliente Tal, aguarde apenas um momento. O cliente Tal é o nosso maior...

De repente a gravação para. Você fica feliz. É agora. Vou poder esclarecer minha dúvida.
O telefone toca. Alguém do outro lado atende.

VOCÊ: Alô???

E a musiquinha volta...

PAULISTA: (...) com seus clientes. Só a empresa Tal oferece o exclusivo o plano de serviços Tal, com que o cliente pode contar 24 horas por dia. Nós temos toda uma equipe treinada para te atender melhor. Se você ainda não é cliente Tal, será um imenso prazer recebê-lo em uma de nossas lojas para conversar sobre o plano Tal. Se você já é cliente Tal, aguarde apenas um momento. O cliente Tal é o nosso maior bem. Aguarde apenas mais alguns instantes, você já será atendido...

Silêncio.
Volta a musiquinha. Agora do começo, vamos lá!

PAULISTA: Aguarde um momento, sua ligação já será transferida... Boa tarde! Nós temos o imenso prazer de atendê-lo. Obrigada por escolher a empresa Tal. A empresa Tal se preocupa com seus clientes. Só a empresa Tal oferece o exclusivo o plano de serviços tal, com que o cliente pode contar 24 horas...

Som de chamada. Dessa vez você não se empolga tanto, afinal sabe que pode ser que seja apenas um alarme falso, mas em vez disso...

ATENDENTE: Boa tarde Cliente Tal, atendente Legisneide falando. Em que posso ajudá-lo?

VOCÊ: Boa tarde. Eu gostaria de saber por que o produto Tal que eu comprei há 15 dias atrás não chegou aqui ainda...

ATENDENTE: Só um momento, por favor...

E lá vem a maldita musiquinha de novo. Se você der sorte, a ligação não vai cair nesse momento e você será transferido para o setor onde poderá fazer sua pergunta, se não der sorte...

ATENDENTE2 (que tem a mesma voz, mas vc não tem certeza se é o mesmo ou não): Boa tarde Cliente Tal, atendente Edislene falando. Em que posso ajudá-lo?

VOCÊ: Boa tarde. Eu gostaria de saber por que o produto Tal que eu comprei há 15 dias atrás não chegou aqui ainda...

ATENDENTE2: Pois não, qual o número do código do produto?

Claro que você não sabe. E claro que sem isso você vai ter verdadeiros problemas para ser atendido, então a atendente decide torturar você um pouco mais.

ATENDENTE2: Por favor, seu nome completo, CPF, Identidade, Cidade, Estado, estado civil e descrição do produto, por favor?

Você responde.

ATENDENTE2: Qual sua data de nascimento, por favor?

Você responde.

ATENDENTE2: Em que dia foi efetuada a compra, por favor?

Você responde.

ATENDENTE2: Só um minuto.

Volta a maldita musiquinha. Depois de uns 3 minutos, quando você já pensava em desistir (afinal, o que são 79 reais hoje em dia?), volta a atendente.

ATENDENTE2: Só mais um momento, por favor.

E vem a musiquinha. Você já não sabe mais o que fazer. Começa a xingar. Eu imagino que a atendente possa ouvir o que você diz. Deve se divertir do outro lado. Deve colocar em viva voz para que os outros possam ouvir também.

ATENDENTE2: Obrigado pela espera, senhora. Infelizmente pelos poucos dados que a senhora pode fornecer, não fui capaz de localizar o produto.

VOCÊ: Como não? Por que então me fez todas aquelas perguntas? Por que me fez esperar? Por quer não me disse logo que não poderia me ajudar?

ATENDENTE2: Sinto muito, senhora. Algo mais?

VOCÊ: Eu não fiquei este tempo todo aqui pendurada para não ser atendida. Por favor chame o seu superior.

ATENDENTE2: Desculpe senhora, mas ele está em outra ligação no momento. A senhora deseja ligar mais tarde?

VOCÊ: Não, eu quero falar com ele agora!

ATENDENTE2: Será que eu não posso ajudá-la?

VOCÊ: Você mesmo disse que não poderia me ajudar. Quero alguém que possa.

ATENDENTE2: Sinto muito senhora, mas ele também não poderá dar a informação que deseja se a senhora não tiver em mãos o código do produto.

VOCÊ: Então me coloque na linha com o superior dele!

ATENDENTE2: Senhora, eu não posso fazer isso. Algo mais?

Ok. Você jurou que estava falando com uma pessoa. Que tinha um ser humano do outro lado da linha. Ledo engano, caro leitor. Do outro lado tem um ser programado para te encher o saco.

Se você quisesse quitar uma dívida, aí tudo bem, eles seriam obrigados a te atender, mas a tua situação não tem nada de interessante para eles, então...

ATENDENTE2: Senhora?

VOCÊ: Olha só, você está me impedindo de falar com seu superior. Vou fazer uma queixa ao PROCON. Qual é o seu nome completo?

ATENDENTE2: Senhora, sinto muito, mas eu não posso lhe dar essa informação, senhora.

VOCÊ: Eu quero falar com seu superior!

ATENDENTE2: A senhora poderia estar enviando um email para nós com sua dúvida que ela será encaminhado ao setor que melhor lhe atender.

VOCÊ: E que email é esse?

ATENDENTE2: A senhora deve estar entrando no site da empresa Tal para verificar essa informação, senhora.

VOCÊ: Por que você não me diz qual é a porra do email???

ATENDENTE2: Eu não possuo essa informação senhora. E a senhora bem que poderia ser mais educada comigo.

Caralho!
COMO ASSIM!!!???!!!

VOCÊ: Como assim ser mais educada??? Eu EXIJO falar com seu superior ou irei até o fim do mundo processar essa maldita empresa.

ATENDENTE2: Só um momento senhora.

E lá vem a musiquinha.
Sim, É o inferno. Tudo o que você queria era comprar um presente para a sua mãe. Um presente bacaninha, que ela iria gostar. Mas você estava meio sem tempo de ir a uma loja e decidiu comprar pela Internet. Internet é fácil. É rápido. Meu deus, por que eu não fui na maldita loja comprar a merda do presente? Com esse tempo de espera eu já teria ido, passado num supermercado e cortado o cabelo. Mas não. Fui preguiçosa e aqui estou, penando. Eu mereço. Se eu ganhar uma úlcera terá sido minha culpa. Que merda! Eu não podia ser uma pessoa menos sedentária? Não podia...
GRAVAÇÃO: Aguarde alguns instantes, sua ligação estará sendo atendida. Para sua segurança, esta ligação está sendo gravada.

Para sua segurança?

VOCÊ grita para a gravação: PARA A MINHA SEGURANÇA?????

E pode praticamente ouvi-la rir da sua cara.
Mas lá vem o tal supervisor e você tenta se acalmar um pouco.

SUPERVISORA (que novamente tem exatamente a mesma voz da atendente 1, mas vc não pode jurar...): Boa noite (sim agora já é noite), superiora Waldisleide falando. Em que posso ajudá-la?

VOCÊ: Boa noite. Eu comprei um produto de vocês, ele não chegou. Já tem 15 dias. Gostaria de saber o que aconteceu e quando vou receber meu produto.

SUPERVISORA: Pois não. Qual o código do produto?

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Você ainda não está lá, Bárbara

Ela não cansa de me dizer: eu ainda não estou lá.
Mas a verdade é que já não estou mais aqui.


Era segundo semestre de 2005 quando eu e minha, na época, nova namorada, descobrimos que ambas sonhavam em morar fora do país. Imediatamente começamos a falar sobre lugares em que gostaríamos de viver e coisas que nos interessavam... E, no meio de uma paixão enlouquecida pelo cinema de Wong Kar-Wai, começamos a namorar a idéia de ir para Hong Kong, estudar cinema lá, onde o diretor dá aulas.

Ficamos encantadas com a idéia de mudar totalmente de vida: estudar em um país tão diferente do nosso, com pessoas com a cabeça certamente tão diferente da nossa. Sonhamos muito, lemos muito a respeito da cidade, dos costumes, da universidade e até da vida gay e da comunidade brasileira por lá. Mas então a realidade bateu na nossa cara: não tínhamos o dinheiro pra ir, nem pra nos manter lá, muito menos pra pagar uma universidade.

Longe de nos desanimar, resolvemos ver outras possibilidades. Acho que o que faltava a nós duas era a companhia de outra pessoa que embarcasse na mesma onda. Fomos a uma feira de empregos no exterior e lá encontramos um balcão de ofertas de emprego no Canadá. Eram empregos que, na verdade, você meio que pagava pra ter... era como um intercâmbio, que você pagava pra fazer, trabalhava uns meses numa estação de esqui como garçonete ou arrumadeira, e depois voltava pra casa mais ou menos com o mesmo dinheiro que empenhou.

Certamente não era o que queríamos. E isso ficou bem óbvio para o homem que estava nos explicando o processo. Então ele disse: por que vocês não emigram para o Canadá? Há um processo legal, com o visto nas mãos vocês podem morar, trabalhar, estudar e ter praticamente os mesmo direitos de um canadense.

Saímos de lá muito espantadas com essa informação e fomos logo na internet, tentar entender o processo. Pra nós não foi muito simples, pois não tínhamos a menor idéia de como aquilo funcionava. E passamos um bom ano pesquisando, pensando sobre o assunto, conversando com outras pessoas que estavam fazendo o processo. Em maio de 2006 finalmente entramos com o nosso processo de imigrantes trabalhadoras. Na verdade ela entrou e eu fui na baila, dependente dela (o canada aceita casais do mesmo sexo).


Vancouver, onde chegaremos em breve

Foram dois anos de processo, com muita espera, angústia, papelada pra juntar, testes de inglês, testes médicos, levantamento criminal... Mas em maio de 2008, finalmente, saiu o nosso visto.

Uma coisa interessante aconteceu durante esse tempo. Quando aplicamos, dois anos antes, eu era uma produtora de tevê etc. um tanto frustrada por não ter encontrado um nicho bom de trabalho, por não ter entrado, efetivamente, no mercado, e a Mari estava começando a trabalhar como assistente de edição. Ambas ganhávamos uma miséria tão miséria que chega a ser constrangedor lembrar. Dois anos depois, quando saiu o visto, ela estava bombando na Conspiração Filmes e eu havia mudado de profissão, virado editora também, trabalhando e ganhando bem pra quem acabou de se lançar em um novo mercado. Estávamos bem felizes profissionalmente e financeiramente.

Pensamos bem, respiramos fundo e resolvemos adiar nossos planos canadenses até finalizarmos nossos trabalhos no Brasil. O adiamento, inicialmente, seria de alguns meses, depois passou para um semestre e, finalmente, pra quase um ano. E, durante todo esse tempo, trabalhamos como se não tivéssemos vida. E eu procurei fingir que o Canadá não existia. Que eu estaria para sempre no Rio.

Mas o final de 2009 se aproximava e nós corríamos o risco de perder o visto. Então, finalmente, compramos a passagem. E reservamos hotel. E demos preços às nossas coisas.

Desde então, alguma coisa aconteceu comigo.
Perdi, totalmente, o interesse pelo Rio de Janeiro. Meus passeios de bicicleta, minhas praias, botecos, escaladas... Nada mais me interessa. Mesmo trabalhar anda exaustivo. E olha que andei profundamente viciada em trabalho. Só me interesso por ir embora. Por me despedir e sair. E o resto todo ganhou um tom cinzento chato.

O calor me oprime, o sol carioca me prende dentro de casa, as pessoas na rua me transtornam e me parece difícil demais encarar o dia a dia da cidade. Estou reclusa dentro da minha expectativa. É como se eu já estivesse lá. Mas ainda sim é como se ir embora não passasse de uma fantasia que, a qualquer momento, vai se desfazer.

É estranho finalmente estar tão perto de realizar um sonho e um projeto que já tem quase quatro anos. Ou melhor, quase quatro anos de projeto conjunto com a namoradaa, porque eu, sozinha, já fantasiei tanto conhecer a vida fora daqui, mas nunca me pareceu uma possibilidade real.

Esse post não tem conclusão. Acaba, simplesmente.
A expectativa de ir e viver o que quer que haja para ser vivido está mais forte do que eu.
E o medo vem junto. Prazer, sem medo, não é tão legal, eu acho.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Festividades insuportáveis


Fins de ano, carnavais e momentos de êxtase coletivo me deixam profundamente irritada e temerosa. É mais ou menos a mesma sensação que me dá quando uma turba de adolescentes entra no ônibus. Rindo, gritando, xingando, tirando onda.
Minha vontade é de sair correndo. Não, na verdade a minha vontade é de esganá-los. Mas não posso. Então fico irritada esperando que o tempo passe e torcendo para que eles se mantenham a uma distância segura.

Nessas festas apoteóticas de fim de ano tenho a mesmíssima sensação. Me sinto em plena Babilônia, com todos os outros seres humanos fazendo de tudo para se divertir escandalosamente. Há uma obrigação no ar: há de ser feliz. Esse tem de ser o reveillon mais incrível da história de toda a minha vida. Há de ser marcante. Há de me levar à loucura. E lá vão os seres humanos mostrar-se hiper-felizes bebendo todas, gritando, pulando, beijando, batendo, vivendo e morrendo, como se não houvesse o amanhã.

Mas amanhã há. Pelo menos para os felizardos que sobrevivem à experiência. Eu fico acuada, em um canto, tentando fingir que nada de anormal acontece. Pelo menos o reveilon dura apenas um dia. Mas sempre é seguido do carnaval que, no Rio de Janeiro, começa um mês antes, pelo menos.

Lá estou eu, voltando do trabalho, cansada, dez horas da noite, num ônibus que demorou quase uma hora para passar e, de repente, já quase em casa, eu me deparo com uma banda de carnaval fechando a pista. Eles bebem, eles gritam, eles querem que eu, sentada toda bonitinha dentro do ônibus, entre na farra. Eu não quero. Me chamam. Batem na janela. Eu digo que não e depois começo a mudar de lugar. Eles balançam o ônibus. Uns tentam entrar pelas janelas. Eu e a trocadora fechamos todas e o motorista começa a ameaçar avançar naquela gente... ah! cenas memoráveis dos carnavais...

Morar em Laranjeiras, onde devem passar, esse ano, uns 10 a 15 blocos, não ajuda em nada.
E esse ano nem dinheiro há para fugir: estarei dura, guardando cada trocado para minha grande mudança para o Canadá.

Pelo menos pude fugir este reveillon para um lugar seguro, frio, alto, sem luz e sem quase nenhuma gente. Lugar difícil de chegar e que, por isso mesmo, é um dos melhores lugares no mundo.


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Lua Cheia

Pra quem pôde olhar pra cima nas primeiras noites do ano, viu a assombrosa lua cheia que iluminou o céu. Lá do meu querido retiro, onde não há luz elétrica, a lua funcionava como um gigantesco holofote.

Sábado à noite, alguns seres humanos de idades variadas, resolveram ir tomar uma cachaça no abrigo onde eu estava hospedada. Fomos todos para fora, ver a lua nascer atrás de um morro. Estamos quase que em um cinema comentou alguém. Só que sem propagandas antes do filme. Ríamos e ficamos esperando. De repente, a cena impressionante, o morro pegava fogo com a luz avermelhada da Lua. Umas 15 cabecas assistiam em silêncio. Foi muito rápido. De repente, poft, a lua amarela que só ela surgiu enorme no céu. Foi muito rápido. Alguém tinha um relógio e comentou: nasceu em 3 minutos. Nossa! como foi rápido. Mas rápido do que... Do que fazer um miojo! brincou uma menininha. Rimos. Ali estava o merchandising que faltava.

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Passamos bastante tempo ali, as tais 15 pessoas, olhando a Lua, procurando estralas cadentes e apostando em corridas entre estrlas. Não, não era bem um momento hippie, era só que o espetáculo era realmente impressionante para ser ignorado. Não havia outro assunto possível a não ser a lua. E eu estava felicíssima com isso.

De repente, um espírito de porco cata o celular, se afasta um pouco e liga para um amigo. Fiquei indignada com aquilo, uma invasão total. Foi mesmo como se alguém atendesse o celular no cinema. Absurdo.

Então o cara inicia a conversa com o amigo: OI fulano, tudo bem? Onde você está? Você tá vendo a Lua? como é que está aí? Cara, aqui ela está assim e assado....
E ficou uns bons minutos conversando sobre a lua antes de desligar.