quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Eu vou estar falando do Gerúndio

Outro dia Mari vira para mim, feliz da vida, e conta que o Governador de Brasília, cansado de ouvir seus secretários responderem suas perguntas no gerúndio, daquela maneira peculiar que nós vamos nos estar acostumando a ouvir, resolveu abolir o gerúndio por decreto.

A tal proibição, ou melhor, a demissão do Gerúndio (com letra maiúscula assim mesmo), gerou grande polêmica na mídia, pelo menos na mídia internética. É só colocar no Google para ver. Eis que hoje me deparo, no caderno de opinião do Globo, com uma explicação do próprio Governador para a publicação de tal decreto no Diário Oficial.

Gostei. Concordo em parte com ele. Em parte discordo.
Mas achei, de qualquer forma, que o texto era bom e merecia ser publicado aqui, neste blog de uma bicha trambiqueira.
Segue aí. Boa leitura.

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Gerundiando

Agora que a demissão do gerúndio já deu o que falar, gerou opiniões e produziu efeitos, vale uma reflexão mais consistente sobre a ineficiência do setor público no Brasil.

A Constituição de 1988 pode ser adotada como um marco. O Brasil redemocratizado, que não mais seria governado por um general de plantão, precisava de regras muito sólidas para que o poder, devolvido à vontade popular, não fosse usurpado por interesses menores e ilegítimos.

O Dasp, nessa época, já tinha modernizado o setor público e já entrava em pavoroso colapso.

O Brasil das grandes estatais, da Petrobras e quanta mais fossem necessárias para o nacionalismo estatizante em meados do século passado, tinha feito Itaipu, Tucuruí, Ponte Rio-Neterói, Belém-Brasília, aeroportos, num modelo de desenvolvimento que tinha no Estado a sua força propulsora.

Foi aí que a Constituição de 1988 pegou as leis e decretos secundários e os constitucionalizou, olhando o Brasil pelo espelho retrovisor, pelo que já tinha acontecido e não pelo que já começava a acontecer no mundo inteiro.

Olhando o passado, a Constituição de 1988 ainda achava que a economia era o Estado, e foi feita para proibir roubar. Não conseguiu essa proibição pela letra da lei, mas obteve um outro êxito: proibiu fazer. A 8.666, a lei das licitações, é filha desse êxito.

Enquanto caía o Muro de Berlim, caía o socialismo soviético, a Internet ligava as pessoas e os mercados, vieram a competitividade internacional, os fluxos de capital de investimentos e os especulativos, no Brasil tinha a reserva de mercado, tabelamento de preços, atraso e caos até a redenção do Plano Real e do nascimento de uma vigorosa economia de mercado.

E o setor público? Continua com suas regras e meios retrógrados, que acreditam que podem proibir roubar por decreto, e só conseguem proibir fazer.

Tem de tudo. Controle interno e controle externos. Exame antecipado de editais e auditorias durante e depois de suas publicações. Departamentos de fiscalização e grupos de fiscais que, contratados por concurso público, têm suas próprias regras garantidas na Carta Magda. E tome Tribunal de Contas, Ministério Público, Controladoria, Ouvidoria, licensas ambientais prévias, audiências públicas, prazos de recursos, decurso de prazo, diários oficiais, comissões de licitação, comissões de inquérito, tomadas de contas especiais, compensações ambientais, licensas de implantação, e, como isso tudo custa caro, CPMF, taxas de fiscalização, imposto sobre tudo e sobre todos – e está pronta a receita do não-roubar.

Resultado final: o roubo continua livre, mas o fazer está cada vez mais complicado.

Até porque muitos funcionários públicos honestos acabam entendendo que a forma mais simples de não ter que dar explicação é não fazer nada.

É assim que a atividade-meio ganha da atividade-fim, que a ineficiência ganha dos resultados, e que os governos são vistos cada vez mais com desesperança.

Demiti o gerúndio. Demiti o fazendo de conta. Tenho desprezo pelo Diário Oficial numa sociedade que, graças a Deus, tem imprensa livre. Por que não acabar com essa herança medieval de Diário Oficial? Mostrei sua ineficiência demitindo o inexistente, uma figura de linguagem. Por que não apareceu nenhum servidor exigindo, para a dita publicação, o seu número de matrícula?

Demiti com desprezo pelas regras retrógradas. Provei-as ineficientes diante da vontade do governante, mesmo quando ridícula.

E não é que publicaram a demissão do gerúndio?

Com saudades de Hélio Beltrão e com saudades do futuro, mãos à obra para, com ousadia e, se necessário, com irreverência, modernizar o setor público brasileiro.

José Roberto Arruda
Governador do Distrito Federal
O Globo 25OUT2007 – Opinião – Pg. 7

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Aproveitando, um bom texto que encotrei na internet sobre essa mania de gerundiar (aliás com o mesmíssimo título):


Gerundiando

Este texto foi feito especialmente para que você possa estar recortando, imprimindo e fazendo diversas cópias, para estar deixando (deixar) discretamente sobre a mesa de alguém que não consiga estar falando sem estar espalhando essa praga terrível que parece estar se disseminando na comunicação. Além disso, você pode também estar transmitindo por fax, remetendo pelo correio ou enviando pela Internet.

Não estão sabendo do que eu estou falando?

Gerúndio, eis a questão. Mas não estou me importando com isso... O mais importante é estar garantindo (garantir) que os gerundistas vão estar recebendo esta mensagem, de modo que possam estar lendo e, quem sabe, consigam até mesmo estar se dando conta da maneira como tudo o que costumam estar falando deve estar soando um verdadeiro pavor para quem precisa estar ouvindo o que for dito.

Sinta-se livre para estar difundindo tantas vezes quantas você vá estar julgando necessárias para estar atingindo o maior número de pessoas infectadas por esta epidemia de transmissão oral ou escrita. É por isso que estou postando este texto no blog. Para estar alcançando todos aqueles que estiverem blogando, navegando pela internet ou apenas surfando pela web.

Mais do que estar repreendendo ou até mesmo caçoando, o objetivo deste movimento é estar fazendo com que esteja caindo a ficha das pessoas que costumam estar falando desse jeito sem estar percebendo.

Temos que estar nos unindo para estar mostrando aos nossos interlocutores que, sim, pode estar existindo uma maneira de estar aprendendo a estar parando de estar falando desse jeito.
Até porque, caso contrário, todos nós vamos estar sendo obrigados a estar migrando para algum lugar onde não vão estar nos obrigando a estar ouvindo frases aberrantes o dia inteirinho.

Sinceramente: nossa paciência tem estado a ponto de estar estourando.

Um simples "Eu vou estar transferindo a sua ligação" que eu vá estar ouvindo, poderá chegar a estar provocando alguma reação inesperada. Eu não vou estar me responsabilizando pelos meus atos. As pessoas precisam estar entendendo a maneira como esse vício maldito conseguiu estar entrando na linguagem do dia-a-dia.

Você dispensa o verbo auxiliar e o verbo de ação no gerúndio e aplica diretamente o mesmo verbo de ação no infinitivo!

É uma construção elegante, limpa, correta, muito mais fácil e com significado claro e indubitável! Vamos despachar para bem longe do nosso belo idioma essas construções aberrantes!

A regra é clara: depois de verbo auxiliar no infinitivo NUNCA se aplica verbo de ação no gerúndio!

terça-feira, 18 de setembro de 2007

As Aventuras de Sir Ernest Shackleton

No começo do século XX a humanidade vivia um momento de grandes explorações nos confins da mundo. Queríamos desbravar os pólos norte e sul, chegar aos lugares mais isolados e perigosos da Terra. Acontecia uma espécie de corrida expedicionária aos pólos. Em 1909 um americano, Robert Edwin Peary, foi o primeiro homem a chegar no Pólo Norte e, a partir daí, a corrida se acirrou por quem primeiro chegaria ao Pólo Sul, ainda inexplorado. Era uma corrida entre homens e entre países. Em 1911 Roald Amundsen, um explorador norueguês, e Robert Falcon Scott, da Marinha da Inglaterra, partiram de pontos diferentes da Antártica conseguindo os dois, chegar ao seu objetivo, porém como duas grandes diferenças: Amundsen chegou ao Pólo Sul um mês antes de Scott - e conseguiu voltar vivo da aventura. Os corpos de Scott e seus companheiros foram encontrados seis meses depois: morreram de frio e de fome a poucos quilômetros do acampamento onde encontrariam abrigo e comida.

Shackleton, um marinheiro e explorador inglês, também tinha o sonho de conquistar o Pólo Sul. Nos primeiros anos de 1900, já havia estado pelo menos duas vezes na Antártica, realizando, ele mesmo uma tentativa, mas foi obrigado a voltar por diversos problemas no percurso. Quando soube que a conquista do ponto mais ao sul do mundo já havia sido realizada, Shackleton decide empreender uma aventura ainda maior: cruzar a Antártica de ponta a ponta, por terra, passando pelo Pólo Sul.
Era uma questão de recuperar a honra da Inglaterra e, ao mesmo tempo, uma chace pessoal de fazer fama e fortuna.

Ele demorou cerca de dois anos para conseguir os recursos para empreender a jornada. Por fim os consegue vendendo os direitos sobre os filmes, fotos, livros e palestras que pretende realizar sobre a aventura. Compra dois navios: Um para levá-lo ao ponto de desembarque, o Endurance, e outro para buscá-lo ao final da jornada. Milhares de pessoas se inscrevem querendo participar da viagem, mas apenas 26 são selecionadas para acompanharem Shackleton a bordo do Endurance. Entre esses homens estão marinheiros, foguistas, pesquisadores, médicos, navegadores, um fotógrafo, um cozinheiro e um desenhista. Em uma breve parada na Argentina se infiltra no navio um jovem irlandês, descoberto quando já estavam em alto mar, a caminho da ilha Geórgia do Sul - última parada antes da grande caminhada. Além dos homens, o navio carrega ainda cães, provisões, armas, livros, diários... São 28 os homens que, no verão polar de 1914, chegam na estação baleeira da ilha Geórgia do Sul.

A partida para o continente é adiada por mais de um mês devido ao mau tempo. Logo que o Endurance se lança ao Mar de Wendell, um dos mais traiçoeiros da Terra, começa a encontrar grandes icebergs e muito gelo até que, em meados de janeiro - pleno verão antártico, o navio fica preso no gelo. A partir desse momento a tripulação começa a viver uma das maiores e mais incríveis aventuras que o homem já experimentou.

Sinceramente, ir à Lua não foi nada perto do que eles foram capazes de realizar.

Resumindo muito resumidamente, o navio fica preso por todo inverno e os homens sobrevivem, com certo conforto dentro do navio, se alimentando das provisões que tinham levado. Mas em meados de outubro o gelo começa a se derreter e a se mover e acaba pressionando e quebrando o barco. Os homens são evacuados depois de lutarem dias seguidos contra o gelo e a água. Desembarcam e, algum tempo depois, o navio é tragado pelo mar. Shackleton então tenta empreender uma viagem, a pé, até a ilha Paulet, distante algumas centenas de quilômetros, onde sabia haver um estoque de comida e onde eles poderiam esperar por um resgate. Mas depois de três dias extenuantes eles haviam avançado pouco mais de três quilômetros e ficou óbvio que a viagem não seria possível. Acamparam, então, em uma banquisa de gelo.

Apelidaram a banquisa de Acampamento Oceânico. Como a banquisa se mantinha em movimento, tinham a esperança de que, até o final do verão, ela os levasse para próximo da Ilha Paulet. E realmente, depois de alguns meses estavam muito mais próximos, mas então o vento e as correntes mudaram e eles acabaram se afastando cada vez mais do objetivo. Shackleton decidiu, então, avançar por terra, o que provou ser uma péssima ideia pois, depois de três dias de viagem, eles ficaram presos em uma banquisa muito menor, impossibilitados de seguir em frente ou de voltar por conta do gelo quebradiço. Chamaram o novo acampamento de Acampamento Paciência e ali passaram muitos meses se alimentando de focas e pinguins e racionando alimentos que haviam trazido do navio. Com o tempo e a fome se agravando, sacrificaram os cachorros e os comeram. Um dia a banquisa começou a se partir, e, depois de ficarem espremidos em pedaços cada vez menores de gelo, lançaram-se ao mar nos três pequenos botes salva vidas que haviam carregado consigo. Com esses botes enfrentaram icebergs e vagas de até dez metros em um verdadeiro labirinto de gelo.

Os ventos, as ondas e os icebergs os mantinham constantemente gelados e molhados. Os barcos eram pequenos demais para que eles pudessem se deitar, então o máximo que faziam era ficarem sentados juntos, tentando se manterem aquecidos. Os barcos ficaram à deriva e, cada vez que traçavam uma rota para alcançar uma ilha, eram jogados pela correnteza e pelos ventos para um lado completamente diferente. Até que, depois de mais de uma semana, chegaram à ilha Elefante, uma ilha completamente desabitada e onde ninguém, ainda, havia colocado os pés. Foi a primeira terra firme em que pisaram depois de quase 500 dias, mas não adiantava muito pois o inverno estava chegando e ninguém iria ali para resgatá-los. Além disso, com a chegada do frio os animais dos quais eles podiam se alimentar iriam migrar e a fome era quase uma certeza. Para completar, o único lugar onde podiam ficar na ilha era uma pequena praia, cercada de altas montanhas e geleiras intransponíveis.

Shackleton decidiu pegar o melhor dos barcos, o Caird, que tinha pouco menos de 7 metros de ponta a ponta, e com mais 5 homens e lançou ao mais perigoso mar do mundo, atravessando 1,3 quilômetros, para chegar na Ilha Geórgia do Sul - um pequeno ponto no mapa cercado de águas geladas, onde poderiam ser resgatados. Os homens escolhidos para fazer a viagem não eram apenas os melhores ou mais necessários, mas também os que teriam maior probabilidade de causar problemas se ficassem para trás com os outros. A viagem tinha uma probabilidade mínima de sucesso, se é que tinha alguma. O barquinho pequeno, desconfortável e lotado de pedras (que faziam peso para que o barco não virasse) não era nada perto dos vagalhões de 20 metros que eles encontravam, um após o outro, incessantemente. O vento vinha de todas as direções e o barco precisava ser constantemente desafogado de água. Era praticamente impossível comer por causa das náuseas. Estavam todos completamente molhados pelas ondas e pelas tempestades que não davam trégua. Fazia em torno de -10oC.

Em uma das noites, Shackleton estava no leme quando olhou para o céu e viu uma abertura clara em meio às nuvens. Chamou os companheiros para dividir a boa notícia quando, de repente, descobriram que o que haviam visto não era uma abertura nas nuvens e sim espuma que refletia a luz do céu de cima de uma onda gigante que se aproximava. Quase foi o fim deles, mas, por milagre, sobreviveram também à onda. Toda vez que as coisas pareciam que iriam melhorar, pioravam. A água doce que levavam ficou insalubre, pois foi contaminada pela água do mar e por pêlos de rena que se desprendiam de seus sacos de dormir apodrecidos. Suas línguas incharam por conta do sal impedindo-os de comer. Quando finalmente avistaram terra, depois de duas semanas no mar, se depararam com enormes penhascos onde ondas de até dez metros arrebentavam. Da felicidade passaram ao desespero e ficaram dois dias trabalhando no limite de suas forças para escapar da ilha e se manter em alto mar - na tempestade. Finalmente conseguiram encontrar um trecho estreito de praia onde aportaram.

Chegando lá se descobriram em uma praia desabitada, do lado oposto da ilha onde estava a estação baleeira. Seriam 240 km para se percorrer com o pequeno Caird, muito mais do que ele poderia aguentar- a essa altura já estava muito debilitado e fazia água em poucos minutos. Shackleton decide que a travessia deveria ser feita por terra, em linha reta, cobrindo uma distância de 35 km.

No entanto a ilha ainda não havia sido ainda explorada por dentro e não havia mapas das montanhas que deveriam atravessar - apenas do litoral. Shackleton escolheu os dois homens mais fortes e, apenas dois dias depois de aportar na ilha, munidos apenas com as botas esfoladas com solas recheadas de parafusos (colocados para aderir melhor ao gelo) e um martelo de carpinteiro, sem levar nenhum peso extra, nem mesmo os sacos de dormir, começaram a caminhada por entre fendas, geleiras e montanhas que chegavam a ter 3 mil metros de altura. Caminharam por 36 horas praticamente sem parar para descansar. Durante a noite quase caíram no sono fatal do frio, mas Shackleton conseguiu evitar o desastre, obrigando-os a permanecerem sempre caminhando. Se eles morressem, os todos os 28 tripulantes do Endurance morreriam.

Quando finalmente chegaram à Estação Baleeira, barbados, negros de fuligem e gordura de foca, com os cabelos longos e roupas esfarrapadas, ninguém conseguiu acreditar que aquilo pudesse ser verdade - que Shackleton estivesse vivo juntamente com sua tripulação. Haviam sido dados como mortos há mais de um ano. Imediatamente os marinheiros puseram-se em barcos para buscar os três que se encontravam do outro lado da ilha. Naquela noite houve uma grande celebração, onde todos os capitães e marinheiros da estação fizeram questão de apertar as mãos daqueles homens, já legendários.

Desde que o Caird - o pequeno bote de salvamento - havia partido da Ilha Elefante, haviam se passado quase cinco meses. Era difícil para os 22 homens que permaneceram na ilha acreditar que ainda seriam socorridos. Mas Shackleton estava esse tempo todo tentando chegar a eles, impedido porém pelas péssimas condições do inverno polar. O resgate aconteceu, finalmente, em 30 de agosto de 1916.

O 28 tripulantes sobreviveram e o que sofreu com os maiores problemas físicos, o irlandês que embarcou de gaiato, perdeu apenas parte de um pé que se congelou. Uma história para ser contada. Pelo menos eu assim fiquei compelida a fazer, depois de ler um livro a respeito da aventura. Recomendo. É de parar o coração a cada página. É também absurdamente inspirador.

Mapa da viagem


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Shackleton morreu poucos anos depois, em 1922, na mesma ilha Geórgia do Sul.
Havia voltado à Antártica pois não suportava a vida longe do continente branco e de suas aventuras.
Morreu vítima de uma bactéria, com uma doença semelhante à gripe.

quarta-feira, 1 de agosto de 2007

Tropa de Elite Pirata

Ontem, no final da noite, chegou às minhas mãos, muito antes de qualquer previsão de lançamento, um DVD do filme “Tropa de Elite”. Dei play para ver que tipo de cópia era aquela e, para meu espanto, lá estava o filme inteiro, em altíssima qualidade e – detalhe - com cartelas em inglês.

Estávamos em três naquele momento, eu e as duas Maris, sentadas de boca aberta diante da televisão. Depois de uns cinco minutos paramos o DVD, sendo nós três operárias da “indústria” audiovisual deste “país”, mais especificamente do Rio de Janeiro, começamos um longo debate sobre pirataria.

Não sei qual a posição de cada um sobre este assunto. Eu, do meu lado, costumo ser completamente aberta à idéia de que cultura só é paga por quem pode e se interessa em pagar. Os outros baixam da Internet, compram no camelô, se infiltram nos grandes shows. Quanto a mim, sou uma mistura desses dois públicos. Prefiro ver filmes no cinema, mas nem sempre tenho grana e posso. Gosto de copiar filmes (muitas vezes alugo filmes só para fazer uma cópia e ter em casa), baixar pela Internet e, se der vontade, compro mesmo no camelô (coisa que só fiz uma vez - Os Simpsons, que estréia hoje, já está nas ruas há tempos e eu me recuso a assistir. Estou contando as horas para ir ao cinema). O mesmo se aplica ao resto da cultura. Mari tem uma visão muito parecida com a minha, mas se mostrou preocupada com a existência de uma cópia de um filme nacional que nem anunciado ainda estava. E aí começou nosso debate.

A primeira pergunta que nós nos fizemos foi: como diabos aquela cópia havia chegado nas ruas? Estávamos assistindo a uma cópia de uma cópia comprada na Uruguaiana. Cópia da cópia. Vimos mais um pouco do filme. Ele estava inteiro lá, finalizado. Avançando, descobrimos que faltavam ainda os créditos finais, substituídos por um color bar. Parecia um filme tirado diretamente da ilha de edição, depois da marcação de luz. Mas quem teria tirado esse filme e o espalhado pelo “mercado informal” a essa altura do campeonato?

Quem trabalha com cinema sabe que, antes mesmo do filme estar pronto, são feitas várias cópias em DVD para serem mandados para os mais diversos fins. Como a cópia do “tropa de Elite” estava com cartelas em inglês, começamos a suspeitar que poderia ter sido feita, originalmente, para o tradutor. Como a marcação de luz estava pronta, poderia ser uma cópia de revisão do fotógrafo. Como havia alguns momentos de áudio esquisito, poderia também ser uma cópia de revisão de áudio, ou teste ou...

No Brasil eu acho que somos meio dados demais. Se precisamos de música no filme, fazemos uma cópia e mandamos para o trilheiro. Precisamos de tradução, mandamos uma cópia para o tradutor... são muitas cópias em DVD do filme e, por algum motivo que não entendo, acreditamos que não vão escapar ao controle. Mas porque não escapariam?

Minha faxineira sabe como fazer cópia de DVD no meu computador. Ela tem um computador em casa, com gravador de DVD, como muita gente. Se eu deixo um DVD interessante à vista, quem disse que ela não vai copiar? Eu mesma a incentivo a fazê-lo, pois ela divide conosco, as donas da casa, o gosto por Kurosawa, Almodovar e filmes de terror dos mais variados estilos e orçamento. Ela só não copia se não quiser. E quem disse que aquele profissional que recebeu uma cópia não vai fazer, antes de devolver, uma cópia sua para ter em casa? E quem disse que não vai mostrar para a namorada? E para o irmão? E esse irmão fazer uma cópia, mostrar para os amigos e... bom, o filme nem tem mídia ainda e já está vendendo na Uruguaiana...

Isso abriu ontem um monte de perguntas na nossa cabeça. Há como controlar a pirataria, se até mesmo o último livro do Harry Potter já estava na Internet antes mesmo de ser lançado? Começo a achar que não. Claro que essa cultura “dada” brasileira facilita um pouco as coisas. Mas, como a indústria fonográfica começa a entender, não há como controlar isso. Quando se acaba com um esquema de distribuição de músicas, outro nasce. E o pior (pelo menos para as polícias e juristas do mundo) é que aqueles que disponibilizam a cultura na Internet na maioria das vezes não o fazem porque querem dinheiro, mas porque querem trocar cultura uns com os outros, livremente. Então classificá-los de “ladrões” não é tão simples assim.

Isso nos leva a começar a pensar que, no futuro, num futuro tão próximo que talvez já seja agora mesmo, temos que contar com a distribuição espontânea, livre, tax free e mundial de qualquer produto digital ou que possa ser digitalizado. Uma pessoa que já entendeu isso foi um amigo chamado Bruno Viana. Ele fez um filme que, ao mesmo tempo que era lançado no cinema, era lançado na Internet, para download, P2P. Se isso foi positivo ou negativo para o filme dele eu não sei. Talvez ele mesmo não saiba. Mas foi um grande passo em direção ao futuro da cultura digital.

A(s) segunda(s) pergunta(s) que nos veio à mente é: o que essa distribuição antecipada e informal vai fazer com o filme quando for lançado nos cinemas e nas locadoras? Quem é o público que compra na Uruguaiana? É o mesmo que vai (ou iria) ao cinema? Essa distribuição informal vai gerar uma mídia espontânea que irá encher os cinemas ou vai fazer com que as salas fiquem às moscas?

Eu acho que, quando fazemos essa pergunta sobre um filme estrangeiro (principalmente americano) a resposta normalmente é: as salas enchem de qualquer forma porque as pessoas que vão aos cinemas ver esses filmes têm dinheiro e querem entretenimento, então vêem qualquer coisa. Além disso, filmes estrangeiros têm mais apelo, distribuição e mídia que filmes nacionais. Bom, tudo isso é verdade, mas, de qualquer forma, a pirataria não parece estar afetando os filmes americanos e, na verdade, acho que não nos importamos se isso acontecer. Não afetam mesmo que meses antes já estejam nas ruas, em boas cópias, com legenda e dubladas, a dez reais (quase metade do preço da entrada de cinema). A isso muita gente responde, novamente, que são dois públicos.

Bom, e os filmes nacionais? Isso não é verdade para eles?
Cópias piratas de filmes nacionais vendidas a dez reais antes mesmo do lançamento do filme nos dão alguma revolta, não? E por que isso? Acreditamos que o filme vai fazer menos público, vai deixar as salas de cinema vazias e vai faturar menos dinheiro, gerando menos filmes produzidos no futuro...
Sobre isso, quem aqui, sinceramente, acha que o povão paga 16 reais para ir ao cinema ver filme nacional? Até paga, duas vezes por ano. Talvez, até, uma vez por mês, mas não paga para ver todos os filmes que gostaria. Até porque ir ao cinema com a família custa, para dois adultos, 32 reais, quase um décimo de um salário mínimo.

Outra pergunta é: porque estamos preocupados se o filme fatura dinheiro ou não? O filme não precisa faturar nem um único centavo porque, com raríssimas exceções, já foi devidamente pago com o meu, o seu, o nosso rico dinheirinho, pois sabemos que quem financia o cinema nacional é povo brasileiro.

Se você está lendo essas linhas e não sabe como funciona nossa “indústria cultural” vou resumir em rápidas linhas: quando alguém quer fazer um filme, faz um projeto e manda para o governo (nacional, estadual ou municipal) que vai avaliar o projeto e dar um selo de “ok”. Esse ok significa que, se você arrumar um “patrocinador”, essa empresa pode pegar parte do dinheiro com que iria pagar imposto e “aplicar” em um filme. Dessa forma, quando um projeto recebe patrocínio da Petrobras, por exemplo, não significa que a Petrobras vai pegar o dinheiro dela e colocar no filme, mas que ela vai deixar de dar dinheiro para o governo e vai colocar esse dinheiro no filme e, de quebra, ganhar um monte de mídia, colocar o nome dela em todos os lugares possíveis e imagináveis, e se sair de grande patrocinadora do cinema nacional. Muitas vezes, até ganhando uma fatia dos lucros. Na verdade quem patrocina a cultura não é a Petrobras, mas o governo, com o dinheiro que deixa de gastar em todas aquelas coisas com as quais deveria gastar...

Não estou fazendo um discurso contra esse tipo de patrocínio, mas questionando o fator “retorno financeiro”. Um filme não precisa ter retorno financeiro, pelo menos não para o diretor, produtora ou patrocinador, pois está tudo pago, desde o início. O único que precisa ter lucro é o exibidor e, talvez, o distribuidor (talvez porque também existem editais de distribuição, não é?). Então, porque o filme nacional custa o mesmo preço do ingresso do filme estrangeiro, se só o exibidor ainda precisa ser pago?

Sei que fugi um pouco do assunto, mas não sei responder a pergunta sobre se o filme “Tropa de Elite” vai ganhar ou perder com a distribuição pirata. A primeira vista é de que perde, porque muitos que iriam ao cinema ver um filme com um apelo tão forte (a polícia do Rio de Janeiro) vão deixar de fazê-lo. Ao mesmo tempo, essas cópias demonstram que o filme gera interesse e ver tantas cópias sendo vendidas pelas ruas pode despertar curiosidade naqueles que podem e se interessam em pagar para ver um filme no cinema.

Obviamente que, depois da discussão, eu vi o filme até o fim. Adianto que é muito bom, bem realizado, dirigido, fotografia linda, dá nó na garganta e desperta todo o tipo de sentimento. Engraçado que um dos policiais do filme é escalador. Tenho um amigo alpinista que é da polícia e pensei o tempo todo nele. Aliás, mal posso esperar para conversar com ele sobre esse filme. Queria muito saber quais as impressões que ele vai ter, muito embora eu tenha receio de ouvi-las. Mas acho que esse filme despertou em mim a vontade de ouvir mais o que esse meu amigo tem a dizer.

Minha dica sobre o filme: não vejam a cópia. Se você gosta de cinema, espere para ver na tela grande, porque tenho certeza que vai ser muitíssimo melhor. Esse filme tem apelo para ser um blockbuster grande como “Cidade de Deus”. Quando lançar eu certamente irei assisti-lo, mas com dor no coração de já saber a história.

Acho que o grande problema dessa cópia parar nas mãos do “público” antes do lançamento ou de qualquer divulgação é a quebra da surpresa, do impacto que poderia ter se ele fosse ultra-sigiloso e só fosse visto no dia da estréia.

Eu gosto de dias de estréia, principalmente de grandes filmes. Dá um frio na barriga, esperar, comprar o ingresso, entrar no cinema, a luz apagar e ter a curiosidade finalmente saciada. Você e aquele monte de gente. É quase um gozo coletivo, é como participar em silêncio de uma multidão e, ao mesmo tempo ignorá-la.
(Às vezes me esqueço como gosto de cinema.)


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Ps: Mari, que trabalha com uma conhecida cineasta brasileira, está com medo de que o filme que elas estão finalizando tenha o mesmo destino do “Tropa de Elite”. Disse que a tal cineasta, já alerta para a possibilidade, tinha um medo um pouco diferente: de que a cópia pirata, vista pelo povão, não seja a cópia final, e sim uma cópia de má qualidade, ainda sem a marcação de luz.

Isso é que é preciosismo de diretor. :-P
Para você ver.

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Ps2: Só porque já levantei a bola dos patrocínios culturais, fui ver no dia dos pais, a exposição do Da Vinci, na Casa França-Brasil.
“Patrocínio” Bradesco e Gol. Propaganda por toda parte, cartazes, vídeos das empresas.
Mas se cobrava ingresso. E sabe quanto custava? R$ 30,00!
Pois é. O dinheiro que pagou foi do povo, mas só a elite pode ver.

Questionamentos balzaquianos

Quando eu era adolescente escrevi dois textos que chocaram meus amigos. Um deles era sobre o amor e outro sobre a amizade. Eu deveria ter uns 16 anos na época e vislumbrava um futuro especialmente terrível para as amizades. As via como algo atrelado a um momento especial no tempo e no espaço que, com a distância, ia perdendo o sentido e se transformando em lembrança. As amizades como fotos de um álbum que amarelavam-se. Chegando a velhice, se tornavam uma coleção de imagens úteis apenas para nos lembrarmos que já fomos jovens cercados de outros jovens.

Hoje lembrei desses textos, pois li no blog da Ana um sobre o mesmo assunto. Parece que o tempo vai passando e a gente vai se preocupando cada dia mais com essa coisa de amigos. Embora eu tenha escrito aquele texto há 12 anos, na verdade não me preocupava realmente com isso. Estava só tentando prever o futuro, com minha visão pessimista de mundo - coisa que eu tenho tendência a fazer e meus diários são repletos dessas predições.

De uns anos para cá comecei a me questionar sobre esse assunto, pois meu círculo de amigos foi ficando cada vez mais restrito. Lembro-me de minha mãe que dizia que ela tinha três amigos e estava em bom número. Três amigos. Eu que sempre tive dezenas, em todos os lugares, de todos os grupos, de todas as idades, nunca entendi como podia ser isso.

Sempre achei que amizade não está atrelada a freqüência, a idade, a tempo ou a espaço. A amizade, para mim, é como uma força que une duas pessoas e que é diferente para cada duas pessoas. Brinco: cada amigo serve para uma coisa. Brinco e acredito. Querer que todos sirvam para tudo é demais. Sempre achei que esse laço, essa força, quando é realmente grande, não pode ser rompido facilmente, apenas um grande trauma o poderia abalar.

Eis que, de uma hora para outra, daqueles 10, 15, 20 amigos com quem sempre contei, sobraram 3 ou 4. Cada um por uma razão diferente. E talvez justamente porque as amizades são tão diferentes umas das outras, fatores como freqüência, distância (física) ou desentendimento, influenciam diferentemente em uma ou outra. Às vezes ainda sobra o amor, mas falta a amizade. Falta a cumplicidade, interesse, apoio...

Recentemente ouvi de pessoas diferentes que nossa amizade não as interessava mais, pois “nossas vidas são muito diferentes”. E me recusaram sob esse pretexto. Assim, simplesmente. Acho completamente inaceitável ouvir isso de alguém com quem dividi minha vida e a quem eu conheci profundamente até aquele ponto em que decidiu que eu, daquele momento em diante, não servia mais. Viram as costas e vão-se embora. Ainda assim, pelo menos, viraram as costas. Outros simplesmente deixam de encarar-nos, pretendem a sua inexistência.

Quem são os meus amigos?

Não estou falando de amizades corriqueiras porque essas tenho de montão. Pessoas até de quem gosto muito e que estão na minha vida há muito tempo. Essas pessoas que eu não tenho medo de que vão embora e que, talvez por isso mesmo, não somem nunca. São pessoas muito necessárias e potenciais grandes amigos, mas que, na verdade, formam aquele segundo time.

Ando procurando descobrir quem são meus amigos de verdade. Quem são as pessoas necessárias para a minha vida. Descobri-me cada dia mais carente das pessoas que nunca achei que fossem “passar”, mas passaram. E tentando descobrir quem seriam as novas pessoas para cobrir esses buracos.

Será que elas existem?

Volto-me cada vez mais para minha família e acho que eu tenho, pelo menos, três grandes amigos.

Que esses durem para sempre.

domingo, 3 de junho de 2007

Um blog, de novo

Tinha-me cansado dessa história de escrever, aleatoriamente, minha vida em blogs públicos. Achei que um blog sobre poesia e outro sobre assédio moral seriam suficientes. Mas ando sem muita cabeça para o primeiro e fui censurada em relação ao segundo. Portanto volto a escrever as abobrinhas que diariamente me passam pela cabeça.

Sejam bem-vindos. Sirvam-se.
Ou não.