segunda-feira, 16 de julho de 2012

Sou uma mulher feminista


Por algum motivo, toda vez que eu me exponho dessa forma, pessoas ao meu redor, amigos até mesmo próximos, se espantam, duvidam, entram em negação. Como se fosse uma coisa impossível que eu, amiga deles, pessoa bacana, seja feminista. É quase como se eles descobrissem, subtamente, que faço parte de um grupo neo-nazista, ou terrorista ou algo assim. Eles gritam: "Você não! Eu não posso ser amigo(a) de uma feminista!" "Você é legal! Apesar de lésbica, não odeia homens. Não, você não tem nada de feminista!"

Ai meus amigos… sou feminista desde criancinha. Quando criancinha eu não sabia. Quando adolescente eu comecei a desconfiar de que eu pensava um pouco diferente da maioria e, de um ano pra cá, agora adulta, finalmente me assumi como feminista. E esse simples fato está mudando drasticamente meu modo de ver o mundo e de interagir com ele.

Meu feminismo na infância


Eu gostava muito de brincar. Brincar de qualquer coisa. Gostava de boneca e de comandos em ação. Gostava de brincadeira de escritório, de subir em árvore, de montar cavalo, de atirar com flechas, do laboratório de química, de lego, de lutar judô, jogar basquete, álbuns de figurinha de carros velozes e da xuxa, de ler muitos livros e de ter opinião. Talvez muita opinião. Minha mãe sempre disse que eu era "do contra". Contra tudo. E continuo sendo, para o bem e para o mau.

O que há de mau em todas essas coisas que eu gostava na infância?
Bom, sinceramente nada, a meu ver.
Mas muitos amiguinhos não concordavam.
Lego já era brinquedo de menino. Nas brincadeiras na vila da minha avó, eu era rejeitada nos times por ser menina. Mesmo que eu fosse melhor que a maioria deles. Ou talvez até por isso. E os adultos achavam que era normal essa discriminação. Tentavam me explicar.
Desde cedo comecei a ouvir que era lésbica - por conta dos temas das minhas leituras e das minhas coleções de figurinhas. Temas masculinos e que não deveriam ser meus. Coisa de homem.

Eu não entendia.
Assim como não entendia porque tanto fuzuê com meu irmão mais novo - que gostava de brincar com minhas bonecas.



 Meu feminismo na adolescência

Um dia eu menstruel. Daí eu fui na farmácia e, sem vergonha nenhuma eu perguntei onde ficavam os absorventes.
Minhas amigas se esconderam atras da pilastra, morrendo de vergonha.

Demorei a decidir que era obrigada a cobrir os seios. Nunca gostei de soutien.

Sempre achei que masturbação era uma coisa normal, tanto para meninos como para meninas.

Ao iniciar minha vida sexual, fui a uma farmácia e, no balcão, pedi camisinhas pra ter na carteira.
Minhas amigas sempre atras da pilastra, escondidas. Morrendo de vergonha.
Eu comprava anticoncepcional e camisinha pra elas. Eu não tinha vergonha.

Quando uma amiga dizia que estava demorando para ir para a cama com um menino - não porque não quisesse ir (tava morrendo de vontade), mas porque achava que ele só queria isso dela - eu respondia: "Das duas uma: ou ele só quer te comer, ou ele te quer e sexo é parte disso. Por que vcs não vão logo pra cama? Se ele não quiser nada depois, você pára de perder tempo com ele".

Eu era diferente. Não aceitava que mulher pudesse ser "fácil" e homem "pegador". Eu não escondia de ninguém que tinha vida sexual, que achava ótimo e que não estava nem aí para a opinião alheia sobre o assunto.

Nunca entendi porque essas coisas eram tabus. Realmente era misterioso pra mim.

Acho que essa abertura, ou mesmo exposição, me ajudou. Nos meus últimos anos de colégio eu não sofria mais bullying.


Agora, uma adulta feminista

O assunto "discriminação" sempre chamou minha atenção. No passado publiquei este post sobre preconceito e discriminação movida, principalmente, pelo preconceito contra a minha sexualidade, mas falando do preconceito em geral. Achei que tinha começado a descobrir o que era discriminação quando me assumi lésbica, ou bissexual. Achei que antes eu nunca tinha sido diminuída ou criticada ou sofrido de nenhuma forma.
Não eu, branca, classe média, estudada em colégio particular.

Ledo engano.
Hoje eu vejo como eu sofria. Ou melhor, como, mesmo sem notar, o machismo sempre fez parte do meu dia a dia.


Somos criadas para acreditar que existem comportamentos normais para mulher diferentes dos comportamentos naturais para homens.
Que existem papéis diferentes para os sexos. Que tudo o que foge do padrão é "anti-convencional".
Nos espantam as mulheres no poder.
Nos espantam as mulheres endinheiradas.
As inteligentes, as capazes, as revolucionárias.
Nos espantam personnages fortes nos filmes, nos livres na televisão.
Nós estamos presos à convensão patrialcal de que mulher é "coisa bonita de ser ver", deve "ser pura", "se guardar", "não deve se expôr".
Nós ainda acreditamos que as mulheres não são capazes de liderar, de construir, de ser ambiciosas ou mesmo de amar sexo.
Vivemos em um mundo onde quase um quartto das mulheres já sofreram algum tipo de abuso sexual.

Pense nisso.
Você, mulher que está lendo isso, sofreu algum abuso sexual?

Eu sofri.
Mas eu NEM ME DEI CONTA de que era abuso sexual.

Quantas vezes alguém passou a mão em você sem que você quisesse?
Quantas noticias temos de homens batendo punheta em transporte público, em cinema no meio da praia?
Quantas vezes um homem te perseguiu na rua. Nao precisou fazer nada. A rua era deserta, você estava sozinha e ele acelerou o passo.
Só isso. Mas ISSO te apavorou e você correu. E você achou que seria estuprada.
Quantas vezes você não quis ficar com um cara e ele disse que você era feia, nojenta, riu de você, te diminuiu?
Quantas vezes você foi agarrada a força numa festa, na boate ou na rua, ou no meio do carnaval?
Quantos puxões de cabelo você levou, entre sua infância (fulaninho te bate pq gosta de você) e sua adultisse (o famoso vem ca minha nega) e te machucaram e todo mundo acha que é assim mesmo mas, por algum motivo, isso não parece fazer sentido?
Quantas vezes te "cantaram" na rua, usando palavras ou gestos que te deixaram envergonhada o resto do dia?
Já ouviu alguma história de médico passando a mão onde não devia?
Você já fez sexo "consentido" com alguém achando que a alternativa era o estupro?
Quantas vezes te deram bebida demais para você "relaxar"?
Quantas piadas machistas você tem que ouvir por dia?
Quantos comerciais que denigrem o sexo femenino você vê por minuto?
Até onde vão os direitos que você tem a respeito do prórprio corpo?
Quantos….

Se você começa a pensar, a violência contra a mulher está em todo o lugar.
Não é só quando um homem bate, estupra e mata que ele a violenta.
Não é só em países islâmicos, que as mulheres têm negados seus direitos mais básicos.

A violência é tanta que nós nem percebemos.
Ela está na escola.
Ela está no hospital, na hora do parto.
Ela está na criação de meninos e meninas.
Ela está no ambiente de trabalho.
Ela está no facebook.
No jornal.
Na TV.

E a gente acha tudo normal.
A gente não vê.


O próximo post vai se chamar "Porque o feminismo é importante" e eu vou falar sobre feminismo, não sobre mim, prometo.

Essa frase foi o título que um amigo meu colocou em um post no facebook. Era um link para um video europeu que deveria ser uma ferramenta para a promoção da carreira cientifica entre as mulheres, mas que foi um tiro no pé.

Segue o video.