Tenho pensado muito sobre preconceito. Há aquela frase que vira e mexe aparece por aí: "Onde mora o seu preconceito?" e que, por mais batida que seja, sempre mexe comigo.
Onde mora o meu preconceito? Em tantos lugares quantos pode haver. Sou uma pessoa preconceituosa sim, mas não diferentemente de todas as outras pessoas. Não é muito difícil observar o preconceito em cada esquina, em uma conversa, ou mesmo em um carinho em um cuidado, em uma oferta. Os preconceitos estão por aí, expostos para quem quiser vê-los. São tão comuns, fazem parte do nosso dia a dia tão corriqueiramente, que nós apenas não mais os notamos. Ou, pelo menos, fazemos grande esforço para não os notarmos. E para não nos expormos, também.
Por algum motivo, sempre que eu puxo o assunto "preconceito" as pessoas pensam imediatamente em racismo. Talvez porque esse seja o preconceito mais comumente observável. Mas me refiro a todo tipo de preconceito. Cor, religião, sexualidade, nacionalidade, naturalidade, estilo de vida, de vestir, lugares, atitudes, gírias, tatuagens, cortes de cabelo, amizades, visão poleitica, opniões diversas, gosto litereario. Meu Deus, é incrível a gama de coisas que pode gerar preconceitos.
Sentindo na minha própria pele, o preconceito que, a princípio, mais me deveria atingir é sobre minha sexualidade. Sou bissexual, o que significa, para quem não sabe, que sou discriminada tanto por heterossexuais como por homossexuais que não acreditam que bissexualidade seja uma coisa possível. Juro. Os homossexuais acham que bissexuais são pessoas mal resolvidas só por que são diferentes deles. Acusam os bissexuais de quererem "exercer" sua homossexualidade sem querer assumir o "estigma". Para muitos a bissexualidade é tão impossível quanto o monstro do armário. Ou talvez seja mesmo o próprio monstro. A verdade é que ninguém gosta muito do que é diferente. Travestis discriminam homossexuais masculinos e vice versa. Lésbicas discriminam todo mundo. E eu me acho uma estranha nesse meio todo. Tanto dos homossexuais quanto dos heterossexuais.
Como é ruim andar pela rua e ouvir buzinadas de carros. Ou piadinhas gritadas de uma obra. Ou discutir com motoristas de ônibus apenas porque estou com minha namorada, passeando.
Mas, para falar a verdade, esse não é o preconceito que mais me incomoda.
Na verdade o que mais me incomoda é ver como é fácil a gente enquadrar os outros por um pequeno pedaço de informação.
Meu irmão, por exemplo.
Ele é economista, formado pela UFRJ, com mestrado na USP e atualmente em NY, fazendo doutorado.
Não, ele não é rico. é, na verdade, um cara que sempre teve pouca grana. Mas não é sobre dinheiro que eu queria falar.
Meu irmão tem uma visão politica muito própria. Ele se recusa a ser de esquerda ou de direita. Ele procura ver prós e contras em qualquer situação (o que as vezes é realmente irritante).
Então ele pode amar o Lula e falar muito mal dele ao mesmo tempo. Pode odiar a politica externa americana e apoiar alguma parte dela. E quado ele entra em uma discução, ele entra para valer. Com dados, com teorias, com noticias e História.
Ele é um leitor inveterado e, ainda criança colecionava livros sobre a História das civilizações.
Nossos amigos têm certeza absoluta de que ele é um cara de extrema direita, apenas por ele não se submeter a ter a mesma opnião de todo mundo.
Isso o machuca extremamente.
MInha mãe sofreu muito preconceito qundo se converteu. Ela não tinha religião e me criou uma criança atéia, nunca frequentei igreja nenhuma nem tive qualquer relação com espiritualidade. Quando eu já era adolescente, ela comecou a procurar uma religião e, nesse processo, se evangelizou pela Igreja Presbiteriana. Ou seja, minha mãe é evangélica e diz isso em alto e bom som, apesar de, por conta disso, ter perdido o carinho e o respeito de muita gente. Ela deixou de pertencer ao grupo das "pessoas legais" porque entrou para o grupo das "pessoas sem cérebro e sem graça".
Um dos preconceitos que mais me atinge é sobre o meu temperamento. Tenho mania de ser recolhida, na minha, e de me afastar quando vejo que uma situação vai se tornar problemática desnecessariamente. Faço isso porque tenho um temperamento explosivo e, no passado, brigava muito com as pessoas. Com o passar dos anos, achei que era me lhor me recolher e esperar a turbulência passar antes de conversar sobre uma situação delicada. Mas sempre espero conversar e ter tudo preto no branco, tudo entendido, tudo explicado. Mesmo que daí não venha um entendimento, venha uma ruptura. Mas sou assim, gosto de tudo as claras. De uns anos pra cá notei que, muitas vezes, meus amigos me consideram uma pessoa dificil e me excluem de certas coisas porque acham que eu posso dar pití, posso bater boca, posso colocar alguém em alguma situação ruim. Muitas vezes é como se eles não me conhecessem.
Mas não, não é sobre esse preconceito que quero falar, porque ele é muito pessoal.
Um outro preconceito que me atinge é a respeito das minhas leituras.
Leio muito, compulsivamente.
E leio coisas muito variadas.
Gosto muito de romances, de poesia, de História, de Astronomia, livros de arte e de coisas ligadas a minha area, cinema.
Mas o meu fraco mesmo é por ficção científica.
Meu Deus, como gosto de ficcão! E como me apaixono pelas histórias!
Quando acabei de ler Farenheint 451 chorei por dois dias. Fui ao trabalho vermelha e inchada de tanto chorar. Passava horas olhando para frente, pensativa.
Quando me perguntavam o que eu tinha eu dizia: foi um livro. (O que já deve parecer completamente estranho). Quando me merguntavam qual, e eu respondia, quase podia ver as gargalhadas se formando na cara das pessoas.
Meu Deus! um livro de ficcao científica! Como alguém pode ficar assim por causa disso?
Não há respeito por esse tipo de literatura, principalmente por parte de pessoas "intelectualizadas". Elas não ficariam assim por tão pouco. Não, claro que não. E ali me julgam estranha, esquisita, boba. Nem sei, Mas me julgam e é obvio.
Esse tipo de coisa (que é bem corrente em minha vida) me magoa. Assim como também o pouco respeito que as pessoas têm pela minha opnião própria.
Se eu digo que sou contra a pirataria somali, sou a favor de guantanamo. Se digo que quero explodir o congresso, sou uma agente secreta americana, se digo que quero ter filhos e morar numa casa com jardim, sou tradicionalista, se ando de bicicleta quando tenho carro, sou esquisita e se peço para meus amigos fumantes que joguem seus cigarros em lugares apropriados sou polîcial anti-tabagista. Se sou contra cotas raciais, sou racista. Qaundo era estudante, tinha que ser do PSTU, mas se sou contra o PSTU, só posso ser pró-PSDB e se também não sou nada disso... não podia participar de grupos estudantis, porque nunca me encaixei.
Hoje li no jornal uma notícia que me deixou feliz e triste ao memso tempo.
Uma travesti, chamada Luma, professora de educação no Ceará, está fazendo doutorado e lutando para conquistar seu espaço na sociedade, principalmente na sociedade acadêmica que é ainda mais fechada do que boa parte do resto do mundo.
Luma conta que sofreu preconceito desde criança por gostar de coisas de menina e que, depois de passar em concurso público em primeiro lugar para alguma niversidade, foi barrrada pelo reitor que nao aceituou sua sexualidade. Lutou e conseguiu assumir o posto.
Puxa vida. Ponto para ela. Que reportagem para cima, né? Que bom que ela conseguiu sair do estigma de ser travesti de vida fácil. Ou mais uma cabelereira ou maquiadora. Legal.
Mas lá no fim da reportagem estava escrito: "Foi a primaeira colocada em um concurso em Aracati, mas o diretor se negou a empossá-la. Foi preciso intervenção da Corregedoria (...). E recebeu propostas para fazer programas sexuais em em Fortaleza. Recusou: - Tento mostrar as pessoas que existe outra forma de vencer."
Como assim, terminar a reportagem falando das propostas sexuais que recebeu?! Se vamos falar de vencedores do preconceito, não vamos mostrea-los como surgidos da lama que, a muito custo, não voltam para a lama. Vamos mostrar como pessoas comuns que brigam suas brigas e que mostram que "na sua diferença, você pode ser igual", como disse a própria Luma no meio da reportagem.
Pequenos e grandes preconceitos. Alguns são tão pequenos que a gente mal nota que eles estão lá.
São os preconceitos nossos de cada dia.
Somos todos tão diferentes e queremos ser diferentes.
Cada pessoa buscando sua individualidade.
Seria muito bom se pudéssemos ver as pessoas pelo que são.
As vezes me pergunto se o preconceito é parte daquilo que nos torna humanos.
3 comentários:
é, concordo com você - deve ser parte daquilo que nos torna humanos.
o triste é o quanto o preconceito informa nossas atitudes, informa nossa relação com o outro, informa quem incluímos e, principalmente, quem excluímos.
tenho vivido/ observado/ sentido muito disso aqui: um país com 13 tribos, saído do Apartheid. é quase que um prato feito. há preconceito em toda esquina, contra tudo e todos, cor, pés descalços, língua, roupas tradicionais, comportamento, opções sexuais, seropositividade (HIV status)...
É estranho me ver dentro deste redemoinho, tentar me posicionar, e às vezes perceber como nossas próprias atitudes tem sementes de preconceito - fracas ou fortes, presentes ou não, disfarçadas ou reluzentes. estranho e doloroso.
Vim aqui roubar sua ilustração para o artigo sobre preconceito (sempre ele) lá no meu blog. Só que li seu texto e gostei. "Sou uma pessoa preconceituosa sim, mas não diferentemente de todas as outras pessoas". Cansei de ler textos sobre o assunto e aquela defesa de não assumir a sua parte no problema. Claro que somos, em intensidades diferentes, mas somos. Então, falar sobre um assunto, e normalmente criticar, sem colocar a sua quota de particapação não vale.
Beijos menina, e viva o google imagens.
Obrigada atrasado, a ambos.
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